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Alves. Lima & Rodrigues – Advogados

Artigos

06/04/2020

Isenção de aluguel para lojistas de shoppings centers, enquanto estes estiverem fechados

1. INTRODUÇÃO

O avanço do novo coronavírus (COVID-19) fez com que os governos federal e estaduais tomassem inúmeras providências emergenciais através de decretos e medidas provisórias. O objetivo é conter a pandemia, evitando um aumento exponencial no número de infectados, a fim de minimizar o impacto no limitado sistema de súde

Para tanto, diversas cidades determinaram medidas de quarentena e isolamento social, com a conseqüente restrição de circulação e aglomeração de pessoas, cancelamento de grandes eventos e fechamento de comércio, sobretudo daquele relativo a bens e serviço considerados não essenciais.

Com efeito, considerando o impacto negativo na economia, medidas estão sendo tomadas a fim de reduzi-lo. No que diz respeito aos empresários, de um lado, estes estão privados de realizar vendas físicas e, de outro, continuam sujeitos aos pagamentos de tributos e despesas diversas, como salários e aluguéis.

Neste contexto, encontra-se a relação entre lojistas e shoppings centers.

Atualmente, tendo em vista a imposição dos governos para o fechamento dos shoppings, questiona-se a respeito de medidas a serem tomadas em favor de lojistas, sobretudo no que concerne ao pagamento de aluguel no período em que o estabelecimento comercial estiver fechado.

 

2. DA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE LOJISTAS E SHOPPINGS CENTERS

Inicialmente, com relação ao contrato firmado entre lojistas e empreendedores de shopping center, dispõe a lei 8.245/1991 (locação dos imóveis urbanos) em seu art. 54 que “nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

Ou seja, tal modalidade contratual é regida precipuamente pela autonomia da vontade. Há divergência doutrinária com relação a sua natureza, prevalecendo na jurisprudência que se trata de contrato atípico. Desta forma, as cláusulas podem ser livremente estipuladas, desde que com o devido respeito aos princípios gerais que regem os contratos, mormente a boa-fé.

Sobre o tema, Tarcisio Teixeira assevera que “neste tipo de contrato, também prevalecem a livre disposição de cláusulas entre as partes (nesse sentido, REp-STJ 123.847), respeitando-se sempre as limitações legais: normas de ordem pública, bons costumes; função social do contrato; boa-fé, etc”.[1]

Diversas questões foram levadas ao Judiciário sob a alegação de abusividade de cláusulas contratuais. Contudo, a Jurisprudência costuma afastar tal linha de raciocínio em respeito ao princípio da autonomia da vontade, reconhecendo, portanto, a legalidade das cláusulas estipulados nestes contratos, ainda que onerosas aos locatários.

Exemplo disso é a cláusula que prevê o pagamento do valor em dobro do aluguel no mês de dezembro, a qual, via de regra, consta nestes instrumentos. Embora muito questionada judicialmente, é considerada válida pelos Tribunais.

Com efeito, num primeiro momento, verifica-se que a discussão de cláusulas desta modalidade contratual não costuma obter êxito.

Pois bem.

Em geral, os lojistas são compelidos ao pagamento de um aluguel mínimo mensal, aluguel percentual sobre o faturamento bruto mensal, encargos de locação e contribuição para fundo de promoção. Ademais, há outras cobranças relacionadas a despesas de administração.

Os contratos impõem aos lojistas inúmeras condições e obrigações, sem que, da mesma forma, atribuam obrigações ao locador. Ou seja, não há, contratualmente, qualquer cláusula determinando uma eventual redução e/ou isenção de alugueis em períodos de escasso movimento ou nos quais o shopping Center permaneça fechado.

Importante salientar que há uma imposição contratual para que as lojas permaneçam abertas ao público de forma contínua e ininterrupta nos horários estabelecidos pela locadora, inclusive aos domingos e feriados.

Todavia, o fechamento dos shoppings centers no momento atual trata-se de medida imposta pelos governos e de cumprimento obrigatório pelos administradores. Ainda que necessária diante do momento, logicamente acarretará prejuízo financeiro a todos os envolvidos.

A princípio, verifica-se que os administradores aparentam estar dispostos a negociar a questão do pagamento dos aluguéis, eis que conscientes das conseqüências gravosas que a ausência de faturamento poderá acarretar aos lojistas.

Entrementes, há que se considerar a hipótese de que as negociações sejam infrutíferas, sendo necessária a adoção de medidas judiciais.

Destarte, a fim de questionar a isenção ou suspensão do pagamento do aluguel pelo período em que o shopping Center encontrar-se fechado, necessário trabalhar de forma conjunta com os princípios que regem o direito contratual em geral, em especial a boa-fé, a probidade e a função social do contrato, considerando, ainda, a teoria da imprevisibilidade.

Neste sentido, prevê o Código Civil:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.

Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

Consoante expõe Silvio Venosa, “na análise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento histórico e econômico”[2].

O momento atual causado pela pandemia, com conseqüências drásticas para a economia, impõe a atuação proba e de boa-fé das partes, não sendo crível que se possa cobrar valores por um bem e serviço não disponível, sob pena de impossibilitar a futura atividade do lojista. Trata-se, conforme mencionado, de hipótese relativa à teoria da imprevisibilidade, com a possibilidade de modificação equitativa das condições contratuais (arts. 317, 479 e 480), a qual poderá ser aplicada a fim de evitar o enriquecimento ilícito do locador. Sobre esta teoria, lembra Silvio Venosa que “a imprevisão deve ser um fenômeno global, que atinja a sociedade em geral, ou um segmento palpável de toda a sociedade”[3].

Ademais, é possível trabalhar com base no art. 476, que prevê a exceção do contrato não cumprido. Ainda que se trate de medida excepcional, imposta pelo governo em razão da imperiosa proteção da coletividade, fato é que o shopping Center está fechado, ou seja, a obrigação mínima do empreendimento não está sendo cumprida. Não estando aberto o shopping, não se pode exigir o pagamento de aluguel:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

Importante ressaltar que a referida lei de locação, também aplicável a espécie, dispõe, dentre as obrigações do locador, as seguintes:

Art. 22. O locador é obrigado a:

I – entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;

II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;

III – manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;

Por derradeiro, a função social do contrato, prevista no art. 421, também é aplicável ao caso:

Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

A excepcionalidade da revisão pode ser realizada num momento excepcional, tal qual o presente. Não se trata de uma mera crise econômica, com redução das vendas. Tampouco de aumento da concorrência, diminuindo o faturamento do lojista.

Trata-se de pandemia, com intervenção do governo determinando quarentena e isolamento social da população, com a prestação apenas de serviços essenciais e fechamento de comércio. Com efeito, A fim de manter a função social do contrato, a boa-fé contratual e o equilíbrio nas relações, bem como ocorrendo um concreto impacto econômico negativo, por certo que tais questões poderão ser discutidas no Judiciário.

 

3. NOTAS CONCLUSIVAS

 

i. O momento atual é marcado por uma pandemia global, alcançando todos os continentes e esferas da sociedade. Trata-se de uma situação excepcional e que impõe, por conseqüência, medidas excepcionais.

ii. A sociedade sofre com o isolamento e fechamento de comércio, a fim de evitar aglomerações e circulação de pessoas. Conseqüentemente, há uma redução na circulação de dinheiro, reduzindo a receita de empresários.

iii. Desta forma, num primeiro momento, o diálogo se faz necessário, a fim de que os contratantes acordem uma situação que busque o equilíbrio, reduzindo o impacto negativo de ambas as partes.

iv. Por lado, há que se considerar a ausência de acordo entre as partes. Nesta hipótese, ainda que os contratos sejam regidos pela autonomia da vontade e liberdade contratual, a superveniência de uma pandemia global trata-se de fato de imprevisível, que pode acarretar um desequilíbrio contratual nos diversos setores da economia, justificando uma eventual intervenção judicial.

v. Neste sentido, necessário se faz a análise concreta de cada caso e os impactos econômicos advindos da situação, a fim de verificar se há uma justificativa para aplicação judicial da teoria da imprevisão a fim de promover o reequilíbrio contratual.

vi. Para tanto, a teoria da imprevisibilidade deve ser aplicada de forma conjunta com os diversos princípios que regem os contratos, dentre eles a boa-fé e a probidade sendo que o Judiciário não se eximirá de analisar tais questões a fim de promover o equilíbrio e a função social do contrato.

 

Marcelo Hirt

OAB/PR 49.014


[1] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito Empresarial Sistematizado. 6ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 521.

[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das obrigações e Teoria geral dos contratos. 4ª Edição. São Paulo: editora Atlas, 2004, p.392.

[3] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Teoria Geral das obrigações e Teoria geral dos contratos. 4ª Edição. São Paulo: editora Atlas, 2004, p. 479.

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